Como a IA detecta sinais de doenças que humanos não podem enxergar
Com a ajuda da inteligência artificial, os pacientes e os médicos podem ser alertados sobre possíveis mudanças na saúde de pacientes meses ou até anos antes que os sintomas apareçam.
O futurista Ross Dawson, fundador da Future Exploration Network, prevê uma mudança do atual modelo voltado mais para o tratamento de doenças para um novo ecossistema de saúde mais focado na prevenção e no rastreamento de possíveis problemas antes que eles tenham a chance de se desenvolver.
“A expectativa de se viver uma vida plena e saudável está impulsionando mudanças de atitude na sociedade”, afirma Dawson. “A explosão de novas tecnologias e algoritmos desta década aprofundou o aprendizado sobre a inteligência artificial (IA), tornando-a mais eficiente que humanos no reconhecimento de padrões.”
Ao rastrear a frequência cardíaca, respiração, movimento e até substâncias químicas da respiração, a IA consegue detectar potenciais problemas de saúde muito antes de surgirem sintomas óbvios. Isso pode ajudar os médicos a intervir ou permitir que os pacientes mudem seu estilo de vida para aliviar ou prevenir doenças. Talvez esses sistemas possam até discernir padrões invisíveis ao olho humano, revelando aspectos surpreendentes de como o corpo pode nos enganar.
Janelas para a sua saúde
Dawson destaca estudos em que a IA consegue antecipar as chances de um indivíduo sofrer um ataque cardíaco ao monitorar constantemente seu pulso.
Um estudo recente de pesquisadores do Google mostrou que os algoritmos de inteligência artificial também podem ser usados para prever pelo olhar de um indivíduo se ele tem chances de sofrer um ataque cardíaco.
Eles treinaram a IA com exames de retina de 284.335 pacientes. Ao procurar padrões nos cruzamentos de vasos sanguíneos, a máquina aprendeu a identificar os sinais indicadores de doenças cardiovasculares.
Movimentos diários
Se Dina Katabi estiver no caminho certo, atrasos no diagnóstico de doenças genéticas e condições debilitantes como o mal de Parkinson, depressão, enfisema, problemas cardíacos e demência serão coisas do passado.
Ela projetou um dispositivo que transmite sinais sem fio de baixa potência em uma residência. Essas ondas eletromagnéticas refletem no corpo do paciente. Toda vez que nos movemos, mudamos o campo eletromagnético ao nosso redor. O dispositivo de Katabi detecta essas reflexões minúsculas usando o aprendizado de máquina para acompanhar os movimentos do paciente pelas paredes.
Katabi descreve os sinais sem fio como “máquinas incríveis” que vão além de nossos sentidos naturais. A implantação de um dispositivo na casa do paciente permite que seus padrões de sono e mobilidade sejam continuamente monitorados. O sistema pode captar suas taxas de respiração – mesmo com várias pessoas em uma sala – e detectar se alguém tem uma queda. Ele pode monitorar seus batimentos cardíacos e fornecer informações até sobre seu estado emocional.
“Nós não os vemos, mas eles podem complementar nosso conhecimento de forma quase mágica”, afirma a pesquisadora. “Nosso novo dispositivo é capaz de atravessar paredes e extrair informações vitais que ampliam nossa limitada capacidade de perceber mudanças”.
Essa capacidade de procurar mudanças no comportamento diário dos pacientes pode fornecer pistas precoces de que algo está errado, talvez antes de eles mesmos souberem.
Muitos de nós já utilizamos uma infinidade de dispositivos para monitorar tudo, desde a ingestão de calorias até o número de passos que damos por dia. A inteligência artificial pode desempenhar um papel vital na compreensão dessas informações.
Essa capacidade de prever mudanças na saúde pode ser importante à medida que a população envelhece – de acordo com a ONU, um quinto da população global será de pessoas acima de 60 anos em 2050.
“Cada vez mais pessoas idosas estão vivendo sozinhas, sobrecarregadas com doenças crônicas, o que provoca enormes problemas de segurança”, diz Katabi. Ela acredita que seu dispositivo permitirá uma intervenção precoce de médicos, evitando potenciais emergências médicas.
Diagnóstico pelo olhar
A inteligência artificial também poderia detectar doenças a partir do olhar das pessoas. A startup FDNA desenvolveu o aplicativo Face2Gene, que usa a chamada “fenotipagem profunda” para identificar possíveis doenças genéticas a partir dos traços faciais de um paciente. Ele emprega uma técnica de IA conhecida como aprendizado profundo, que ensina algoritmos a detectar características faciais e formas tipicamente encontradas em distúrbios genéticos raros, como a síndrome de Noonan.
O algoritmo foi treinado com mais de 17 mil fotografias de pacientes que sofrem de uma entre 216 condições genéticas listadas. Em alguns desses distúrbios, os pacientes desenvolvem características faciais específicas. Por exemplo, na deficiência intelectual do tipo Bain, crianças têm olhos em forma de amêndoa e queixos pequenos. O algoritmo do FDNA aprendeu a reconhecer esses padrões faciais distintos que muitas vezes são indetectáveis pelos médicos.
Os testes do Face2Gene acertaram o diagnóstico em 91% das vezes, superando o desempenho de médicos para condições como a síndrome de Angelman e de Cornelia de Lange.
O diagnóstico precoce de síndromes genéticas raras permite a introdução de tratamentos mais prontamente, além de poupar as famílias da odisseia diagnóstica que essas condições geralmente envolvem. Com doenças raras afetando cerca de 10% da população mundial, ferramentas de IA provavelmente mudarão a cara da medicina.
Dentro do seu cérebro
Médicos e cirurgiões há muito confiam em raios-X e tomografias para ajudá-los a diagnosticar condições relacionadas aos sintomas dos pacientes. Mas e se fosse possível usar esses exames para identificar uma doença antes que ela comece a causar problemas?
Ben Franc, professor de radiologia clínica da Universidade de Stanford, está empenhado em desvendar os segredos por trás de milhões de tomografias computadorizadas realizadas rotineiramente nos departamentos de oncologia. Em geral, médicos usam esses escaneamentos para detectar tumores cancerosos, mas nunca os analisam em busca de outros riscos potenciais à saúde do paciente.
Em um projeto piloto, Franc e sua uma equipe estudam se mudanças no metabolismo cerebral apontadas pelos exames podem prever o mal de Alzheimer, condição que afeta 10% das pessoas com mais de 65 anos.
A partir da IA, eles desenvolveram algoritmos capazes de detectar mudanças sutis no metabolismo cerebral, no caso a captação de glicose em certas áreas do cérebro, que possivelmente ocorrem no início do desenvolvimento da doença. Em testes de imagem de 40 pacientes, o algoritmo detectou a doença em média seis anos mais cedo que os médicos. Isso abre a perspectiva de se diagnosticar essa condição devastadora anos antes de os sintomas aparecerem.
“Os computadores podem encontrar associações que humanos levariam a vida toda para fazê-las”, diz Franc. “A IA nos permite tirar proveito da expertise extraída de milhões de casos, o que pode garantir um diagnóstico precoce e, espera-se, a um tratamento mais oportuno e eficaz.”
E o alvo não é apenas o mal de Alzheimer. Seu grupo de pesquisa também publicou recentemente um artigo mostrando que os enormes conjuntos de dados de ressonância magnética e tomografia computadorizada podem ser usados para prever o subtipo de câncer de mama do paciente, bem como suas chances de sobrevida sem recaída.
Esse novo campo em crescimento é conhecido como radiômica e usa dados brutos para identificar características que não podem ser vistas a olho nu. Existem mais de cinco mil recursos de imagem independentes que podem ser usados e a IA oferece uma nova e poderosa maneira de analisar todos eles.
“Usando o aprendizado de máquina, conseguimos identificar características que podem ser usadas para fazer previsões”, diz Franc. Ele espera usar a IA fora do hospital para avaliar a saúde geral de um indivíduo. Por exemplo, ele acredita que banheiros inteligentes podem buscar mudanças na urina ou nas fezes de uma pessoa para prever doenças.
Como você fala
Hoje a tecnologia de exames e imagens já fornece pistas sobre o estado físico do paciente, mas há menos recursos para se diagnosticar condições de saúde mental. No entanto, o número de pessoas que sofrem de distúrbios mentais só faz crescer, com um total 25% da população global e proporções epidêmicas em alguns países. Como são uma das principais causas de incapacidade, isso coloca uma enorme pressão sobre a sociedade.
O aprendizado de máquina oferece novas formas de detectar precocemente as condições de saúde mental a partir de sinais escondidos na escolha das palavras, no tom de voz e em outras nuances da linguagem.
Ellie é uma avatar que atua como terapeuta virtual e foi desenvolvida pelo Instituto de Tecnologias Criativas da Universidade do Sul da Califórnia. Ela pode analisar mais de 60 pontos no rosto de um paciente para determinar se ele está deprimido, ansioso ou sofrendo de transtorno de estresse pós-traumático.
O tempo que uma pessoa leva para fazer uma pausa antes de responder uma pergunta, sua postura ou o quanto ela acena com a cabeça – tudo fornece a Ellie mais pistas sobre o estado mental do paciente durante a “consulta”.
Espera-se que esta forma de aprendizado de máquina “melhore a previsão, o diagnóstico e o tratamento de transtornos mentais”, escreveram Nicole Marinez-Martin e seus colegas da Escola de Ética Biomédica de Stanford em um artigo recente publicado no Journal of Ethics.
Os avanços na IA também produziram robôs emocionalmente inteligentes capazes de ter conversas naturais com seres humanos – tecnologia que está garantindo o acesso a tratamento a um número maior de pessoas. Wysa, por exemplo, é um robô projetado por terapeutas e pesquisadores de IA para estimular nas pessoas habilidades de resiliência mental a partir de técnicas da terapia cognitivo-comportamental. A ideia é que o robô faça perguntas que as ajudem a entender como se sentem depois de um dia difícil.
Decisões difíceis
A combinação de medidas biométricas com o perfil genético de um indivíduo pode ajudar a prever fatores de risco de tal forma que podem substituir diretrizes médicas gerais. No mundo da medicina de precisão, a IA pode tornar o check-up anual anacrônico.
Mas quanta confiança estamos dispostos a colocar em um algoritmo sobre decisões de nossas vidas? Um artigo recente no AMA Journal of Ethics apresenta um cenário hipotético em que o aprendizado de máquina é usado em decisões do fim da vida. Na ocasião, os autores ressaltam que “um algoritmo não perderá o sono se prever, com alto grau de confiança, que uma pessoa gostaria que a máquina que dá suporte a sua vida fosse desligada”.
A questão é: queremos que algo como a IA, que não se preocupa com suas decisões, faça ponderações tão importantes?
Talvez ainda preferíssemos a abordagem de um médico ao de uma máquina. Mas, em um futuro próximo, a IA pode entender questões bem antes dos especialistas humanos. Por serem totalmente adaptadas a nossa personalidade, comportamento e emoções, elas poderiam nos alertar sobre algo que salvaria nossa vida.
Portanto, embora não possamos esperar que um computador sinta emoções, podemos querer que ele entenda o que e como estamos nos sentindo.